segunda-feira, 30 de julho de 2012

A Caverna de José Saramago


Nenhum exemplo já criado no mundo para demonstrar nossa condição humana viveu e ainda vive tanto quanto o mito da caverna de Platão. Séculos passados desde sua criação até hoje, principalmente hoje é fundamental para compreensão e estudo de nossa sociedade. José Saramago exemplifica mais afundo a caverna de Platão em sua própria, essa realidade de telespectador a que estamos submetidos perante a globalização, neste mundo que ao mesmo tempo é livre e repleto de fronteiras. Cipriano Algor é filho e neto de oleiros, sempre viveu de fabricar utensílios de argila pratos, cântaros, copos como o personagem mesmo vê toda a sua vida está empesteada de vermelho do barro, ele vende suas mercadorias ao centro da cidade o coração econômico é de lá tudo o que sai para a vida das pessoas do lugar, quase que uma verdadeira ditadura de estilo de vida a favor dos grandes e do lucro, disfarçada de prazer, comodidade e praticidade. Com o passar dos anos a procura pelos produtos da olaria Algor diminui as pessoas já não querem utensílios de barro que acabam fácil e tem apenas uma cor elas querem variedade, modernidade e uma impressão de durabilidade, pois mesmo que os sejam provavelmente logo trocarão esses novos produtos por outros que acharem mais atraentes, o Centro cancela de vez a compra dos produtos do oleiro usando o desinteresse do público como desculpa, mas a razão realmente é a pressa pelo lucro mostrando a realidade de uma sociedade que cada vez mais rápido torna as pessoas e os objetos totalmente descartáveis, quando passam a não demonstrar utilidade a uma máquina faminta de lucro que mora bem ao lado, a qualquer lado que olhemos, contradizendo aquele velho estatuto da racionalidade do ser humano. A partir da volta do centro para casa somos presenteados com um verdadeiro show que a sociedade com toda sua modernidade pode nos oferecer. A Cipriano juntam-se Marta filha do oleiro, Marçal seu marido que trabalha de vigilante no centro e anseia por uma adesão ao lugar quando for promovido e um cão quase que parente de baleia de “Vidas Secas” só que mais inteligente e perspicaz devido aos confortos que o outro nunca tivera. Aliás, o livro lembra muito Vidas Secas não pela história em si, mas pela cabeça dos personagens Cipriano toma pensamentos que volta e meia o parecem muito complexos e acaba atordoado devido a isso, não consegue captar e emitir da mesma forma as respostas que encontra em si para as suas inquietações outras vezes consegue, mas parece não adiantar de nada ele tem conhecimento da sua condição de passividade e submissão perante os grandes, Fabiano também enfrentava esse mesmo problema a dificuldade de elucidar seus pensamentos, o monte de palavras presas na cabeça (mundo inteligível) e a falta de equivalentes na garganta para demonstrá-los (mundo sensível, coitado era praticamente desdotado de ambos) uma secura de vocabulário por muitas vezes só conseguindo emitir sons guturais e meias palavras, Sinha Vitória também me vem à cabeça quando leio o que Marta diz e pensa, casada agora responsável pela casa pelo marido e também pelo pai depois que esse perdeu a esposa, não é lá uma mulher de muito estudo, mas fala e raciocina melhor que muitas que a gente ver por aí, Sinha Vitória também era como Marta, astuta, ambas inteligentes em potência e razoavelmente em ato caminhavam claramente em meio à escuridão lançada pelas cabeças dos homens (Cipriano menos que Fabiano, claro). Mas as comparações das histórias param por aqui afinal o contexto da localidade são totalmente diferentes, mas há ainda uma semelhança e esta de importância imprescindível, a denúncia aos abusos que esses homens e milhões mundo afora sofrem pelos sistemas falhos a que estão submetidos, a alienação, ao esquecimento de suas pessoas em recantos remotos (mesmo quando perto levando em conta condições econômicas e sociais) longe de toda tecnologia, desenvolvimento e direitos humanos, onde nunca são atendidos quando precisam e com dificuldade conseguem o que é preciso para viver coisas precisadas essas que esses mesmos centros ditam ser essenciais. A essas necessidades essenciais juntam-se outras que também não o deixam de ser, mas são pouco objetivas como o dinheiro, por exemplo, aí vem o amor, a paz do espírito, a felicidade, uma simples diversão, por uma falta de conhecimentos dessas outras necessidades (essa resenha seria só de A Caverna, mas atrelou-se a Vidas Secas de maneira que agora são inseparáveis) nossos personagens tentam afogá-las rechaçá-las desviar-se dobrando a esquerda quando possível e golpeando-as a marteladas com a cabeça quando não, isso leva a aquela já citada agonia no juízo dos personagens que os fazem vomitarem todos os seus sentimentos inquietações dúvidas e desesperos desmedidos, para nossa alegria (que maus somos nós não leitores e amantes de literatura).
Esse é o primeiro livro de Saramago que leio, mas algumas características já aparecem revelando-se marcantes e que voltarão em qualquer obra sua como os diálogos, por exemplo, sem separação das falas por meio de qualquer sinal gráfico, todos são de uma fluidez perfeita e assustadora que às vezes me confundiam, mas é só pegar o ritmo nas primeiras páginas que o livro vai em um tapa, e até quando entranca é fácil fazer pegar no tombo, outra característica, poucos livros são tão prazerosos desde as primeiras páginas José Saramago marca o texto várias e várias vezes com frases que dizer de efeito é pouco, a que eu lembro e provavelmente nunca esquecerei é essa... “NEM A JUVENTUDE SABE O QUE PODE, NEM A VELHICE PODE O QUE SABE.” Essas mesmas frases de efeito tão presentes em seu texto ele também crítica como “CONHECE-TE A TI MESMO – como se essa não fosse tarefa mais árdua para um homem.” Não foi exatamente assim, mas algo bem parecido, outra coisa interessante é que a pedido do autor foi mantida a ortografia original lusitana, (o que não sei se hoje depois desta bosta de acordo ortográfico unificado se mantém nas novas edições, a que eu li foi a primeira da Companhia das Letras de 2001). É muito legal essa coisa da ortografia lusitana é um verdadeiro convite a um lugar que você já conhece faz tempo, mas vai encontrar de uma forma nova, você é desafiado a aprender palavras novas para coisas que você conhece por outras velhas, há também a sonoridade provavelmente se o livro fosse adaptado para a nova ortografia creio que perderia uma não tão grande parcela da sonoridade original, mas uma quantidade significante, que é maravilhosa às vezes faz verdadeira dança na boca chega dar gosto de pronunciar aqueles “Á’s, c’s, cc’s, Ó’s É’s...” e vários outros que não estamos acostumados no português brasileiro. Um último ponto a observar apesar de ser de José Saramago e ser o primeiro livro que leio do homem, A Caverna não me parece ser o melhor livro dele, é sim um livro ótimo, muito bom e divertido de ler, mas não me deu a impressão de que é a obra-prima dele com certeza há outros que são melhores, achei isso devido ao tema do livro esse espelho geral da sociedade de hoje e esse embasamento no mito da caverna que já é tão conhecido, mas também não é dizer que é pedante, claro que não mesmo séculos depois ele é hoje mais importante do que em outras épocas. Mas vai saber foi uma coisa que eu achei por achar mesmo, sinto que ainda vou me deparar com livros muito melhores dele (de novo esse não é ruim é muito bom) pra isso só lendo né?

Marcadores: ,

Eles os britânicos, Nós os Brasileiros


Londres prometeu e cumpriu pelo menos no primeiro dia oficial dos XXX Jogos Olímpicos Modernos, em 116 anos essa promete ser a maior e melhor olimpíada, bom para os britânicos e mais desconfortante e desafiador para nós brasileiros, ganhar a olimpíada seguinte à Londres não me parece muito animador o desafio é ameaçadoramente maior que qualquer outro, mas depois de 2008 não há mais jeito Pequim também foi uma olimpíada gigante logo todas as seguintes se assim quiserem permanecer na memória dos amantes de esporte quiçá do mundo precisam arrebentar a boca do balão, pois Londres assim está fazendo. Com uma cerimônia de abertura dirigida por Danny Boyle meio morna vai-mas-não-vai nos temas que abordou, porém de um grau de entretenimento pouco visto ultimamente nessa chamada sociedade do espetáculo, muitos fogos de artifício e quando digo muitos são muitos mesmo centenas de toneladas, luzes pra tudo quanto é canto muito música e a vibração do coração dos britânicos que ganharam a melhor pausa de duas semanas em meio a uma das piores crises econômicas que o mundo já viu, tá certo que eles não tão sofrendo tanto quanto outros como Itália, Grécia ou Espanha, mas de um jeito ou de outro mesmo se for só uma cutucada eles sofrem. Teve de tudo de Shakespeare à J.K. Rowlling lendo um trecho de Peter Pan (para ver o nível de engajamento do povo ela raramente aparece em público), propaganda do Sistema público de Saúde do reino, Voldemort em forma de boneco de Olinda, uma espécie de narrativa sobre as juventudes britânicas e suas músicas (sem uma folhinha de maconha, uma imagem de compromidinho, assim não dá, né?) além de uma meio-fail exemplificação de como tecnologia está atrelada à nossa vida, mas também não dava para ilustrar em um teatrinho muito filosófico né? Foram APENAS 4 horas de cerimônia, a entrada das delegações leva mais da metade do tempo, Sir Tim Berners Lee também deu as caras por lá só as caras mesmo pra mostrar o quão útil ao mundo são os britânicos, Judge e Paul McCartney, Arctic Monkeys, James Bond (Daniel Craig) e Elisabeth II saltando de pára-quedas, jovens patriotas tocando tambor de lata durante quatro horas (nem falo deles porque quero ser voluntário em 2014 e 2016) foi como deveria ser e ao quadrado já que foi feito por britânicos um ótimo show de TV, emocionante e patriótico até mesmo em função inversa ao mostrar a Revolução Industrial seus prós, o mundo como conhecemos hoje (tá legal esse é meio pró e contra ao mesmo tempo) e seus contras, toda a desgraça e sofrimento causados a uma grande parte da população (que também perdura até hoje em alguns cantos remotos do mundo), foi mostrado também o movimento feminista, pois bem foi uma cerimônia bem diferente das habituais por ser feita por britânicos eles se escancaram parcialmente, mas de uma forma animadora dava pra sentir todas as suas alegrias e angústias em relação ao que já passou e ao que está por vir nas próximas décadas (pelo menos eu vi isso, com a ajuda de alguns comentaristas durante a transmissão), mas mais importante que se abrir ao mundo, os britânicos na abertura de Londres 2012 asseguram seu compromisso consigo mesmo, o compromisso de dar um show incrível (falando das olimpíadas em geral) não só ao mundo, mas principalmente a si mesmos e continuar dando após os jogos como ficou claro no acendimento da pira olímpica que ninguém sabia onde estava e rolou maior curiosidade nós últimos dias sobre quem a acenderia todos achavam que seria algum atleta consagrado da casa, nada disso quem acendeu foi à nova geração de atletas britânicos de 18 a 23 anos totalmente desconhecidos, mas que serão o futuro não só do esporte, mas de toda aquela sociedade, eles estão dispostos a trabalhar arduamente para garantir o futuro de todos para que erros e Misérias do passado mesmo que se repitam possam ser sanadas ou no mínimo aliviadas com mais facilidade no futuro, enfim 2012 é do povo do humor mais negro do mundo que consegue caçoar de si mesmo nas horas mais difíceis, e debaixo do céu cinzento, da neblina e atrás do sorriso amarelo seguir em frente... Poesia á parte precisamos ver como vai ser pós-2012 e voltando ao Brasil estamos em pré-2016 faltam quatro anos DÁ TEMPO, mas não se trata de fazer jogos legais e exuberantes ao público, trata-se também de começarmos a construir-nos de outra maneira nesse país tão grande tão rico e ao mesmo tempo miserável, injusto e insuportável como qualquer outro às vezes, mas o Brasil muito mais comparado a outros, o que vai ser preciso para 2016 é uma identidade em que nos afirmemos brasileiros, e orgulhosos disso apesar de tudo, enfrentar os problemas de frente e sair dessa zona de conforto que tomou conta geral, exigir reforma política, reforma do país inteiro (em alguns lugares ele vai precisar começar a ser construído), compromisso dos políticos para conosco e nosso para com todos, claro que, mesmo se todos firmassem esse compromisso agora, em quatro anos seria impossível cumpri-lo, mas pelo menos uma reflexão de todos, dos grandes principalmente sobre como o Brasil se encontra e como pode mudar seria um ótimo começo poderia demorar dez, vinte anos, mas só de começar esse processo seriamente seria muito bom.   

Marcadores:

O Beijo de Judas


Sabe filmes bem sessão da tarde só pra divertir, que te diz coisas como nunca desista dos seus sonhos faça sempre (quase sempre) a coisa certa e blá, blá blá. Que no cinema e literatura são tremendos clichês, mas que nada vida real fazem todo o sentido? Pois, Judas Kiss (2011, Carlos Pedraza – Roteiro, J.T. Tepnapa – Direção) é um desses filmes, equivalentes a Querido John, A Última Música, e muitos outros motivacionais. Danny Reyes é um cineasta fracassado que ganhou um festival de cinema quando ainda estava no início da faculdade e mudou seu nome para Zachary Wells o curta fez certo sucesso e um futuro fabuloso na indústria cinematográfica se formava bem a sua frente, o detalhe é que ele trapaceou só eram válidos curtas escritos no período em que os estudantes estivessem na faculdade o de Zach foi feito no colegial. O futuro promissor em Hollywood anos depois se dissipou e ele acabou se tornando um cara que vive numa bad, em rehabs e festas de produtores milionários. Quinze anos depois ele está de volta à faculdade substituindo um jurado no mesmo festival que vencera inesperadamente um dos fortes concorrentes que também está no início da faculdade como Zachary esteve é Danny Reyes com seu filme Judas Kiss assim ele se vê obrigado a abrir um caminho em busca de si mesmo em sua história nebulosa junto a seu passado presente e futuro.  Às vezes parece um pouco biográfico, mas não é, é tudo ficcional, mas mostra aspectos que todo mundo que trabalha com cinema em Hollywood ou em qualquer parte do mundo conhece, a extrema competitividade do mercado, a busca por inovação e ao mesmo tempo lucro, essas duas últimas muito difíceis de fazer andarem juntas e de mãos dadas, os dramas da vida que todos precisam lidar nesse caso os artistas em geral que vez ou outra ou quase sempre refletem esses dramas em suas obras (lembrem de Lars Von Trier a última coisa que à mãe o disse antes de morrer foi que seu pai não era seu pai de verdade um bom exemplo disso), pois bem toda dificuldade de quem decide fazer e viver de arte, pois é preciso ceder você mesmo (por completo às vezes) a seu trabalho e fazer com que agrade e valha alguma coisa, falando num sentido de arte totalmente autoral claro nada de fórmulas já prontas pra ir ao mercado. O filme é bem realizado, mas sempre deixa a impressão de uma tentativa rasa de expor o que já foi contado acima, não aprofunda muito é só mesmo um “Ah, olha sou um cineasta em pré-início de carreira, preocupado em vencer na vida com isso, aterrorizado com a possibilidade disso não acontecer com alguns problemas familiares, e tudo junto acaba por foder a minha cabeça.” (e quem não está? com 20 poucos anos independentemente da profissão). É isso faltou uma maior exploração em cima das personagens alguns (muitos) momentos é tudo meio vago, não ruim, não bom, algo entre um pouco acima de mediano e bom, mas é um filme bom de ver, um verdadeiro sessão da tarde um naco mais profundo e que nunca veremos na sessão da tarde, pois há gays demais.

Marcadores: