sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Passagens de Finitude - Parte DOIS


Hoje morrerei! Foi o que eu disse quando acordei pela manhã agora já estou morto, estou apenas morto, ainda não significa que não sirvo para nada, nem que sou nada..................................................................... ................................................. Agora sim, não sirvo para nada, o primeiro verme acabou de romper minha carne, como se carne fosse apenas uma barreira a romper no dia a dia, mas é pelo menos para os vermes, depois de moscas já não sei o que acham disso tudo, provavelmente nada. Mas nem só vermes rompem a barreira da carne, de vez em quando fazemos isso. "Será?" "Acho que não." "Quem disse isso?" provavelmente fui eu. Ah, agora estou me tornando nada, meu próprio (próprio?) pensamento a de vir deixar e existir logo, de ser! Está se juntando ao da terra, ao do mundo, está se tornando terra, mundo, preciso me apressar, mas parece que estou vivo já que estou a pensar depois de morto. Não vejo nada, não sinto nada, não ouço nada, mas esse nada bem parece ser tudo, ou pelo menos alguma coisa não sei e também não há tempo para descobrir, aqui nem tempo há (acho) nem SIM, depois que morri o SIM parece ter desaparecido tudo aqui sempre acaba em não, ou começa dele, aqui não há mais chances e se houver elas acaba em não. Além do NÃO volta e meia o PARECE aparece ou é NÃO ou é TALVEZ, o que não me adianta de muita coisa entre uma verdade... Chega de baboseira deveria estar relatando alguma coisa mais importante em uma experiência dessas, já que por alguma razão desconhecida ainda consigo pensar depois de mort................................................................................................................................ARGH! Foi só um susto ainda não é agora preciso ser rápido, mas então o que há para dizer então? "Certamente nada, pois já se está morto se houvesse alguma coisa a dizer estaria vivo." - o pensamento de um padre acaba de passar por mim. Se bem que nem era verdadeiramente dele, está em estado mais avançado que o meu, já é quase completo mundo - irônico ver um padre se entregar ao mundo - não sei se era realmente um padre, mas me pareceu, me lembro de padres. Parece que realmente não há nada há se dizer ou lhe dizer ou a nos dizer ou a querer dizer. Enfim é chegada a hora, é isso que é a morte, pensando bem à hora chegara há um tempinho atrás, NÃO, não chegar a hora, ela nunca chega NÃO HÁ HORA NEM DEPOIS.

Marcadores: , ,

Passagens de Finitude - Parte UM


Com a luz do sol a tapar-lhe a cara quando deveria fazê-la enxergar, ela caminha lentamente pelo tempo e o mundo. Vem lá do fundo, das árvores, caminha entre elas na maior intimidade consegue até ouvir o que cochicham com o vento, cada pedra range seu mau humor quando ela as pisa, uma a uma reclamando caladas. Entorpe e viva pelo ar caminha caminha caminha. Agora mais à frente aumenta sua velocidade a cada passo dado, começa a correr corre corre corre. As pedras agora gritam, agonizam em dor o sofrimento juntam vozes num coro surdo mudo. Os postes a seguem com seus olhos cegos sem se virar para ver.A rua a observa passar velozmente, calmamente em silêncio, não tem palavras para questioná-la para onde vai, a rua que tudo sabe tudo vê, tudo ouve, tudo sente sempre nos outros. Ao fim da rua surge outra a entorta e a reta apruma-a na direção certa continua seu trajeto sem saber certamente para onde. Agora todos os olhos, bocas, narizes e ouvidos visíveis ignoram-na sente-se finalmente segura, assegurada entre seus próprios de que por enquanto não será atormentada. Nada pior que ser vigiada pelo nada, sussurra com alívio.

Marcadores: ,

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Data de Validade


Quando se trata de vida útil prefiro o ódio ao amor, o ódio passa mais rápido, enquanto o amor perdura por tempos. Mesmo morto, continua lá de pé. Somos obrigados a alimentá-lo desde que nascemos, a segurá-lo pelas pernas e trazer-lo de lá de dentro do útero para o mundo prático, depois de mais velhos somos obrigados a descobri-lo de novo dar uma nova cara, sem falar quando temos que nós mesmos produzi-lo. Já o ódio, esse tem vontade própria, vem quando necessário, nunca se intromete quando não é chamado, sabe exatamente a hora de chegar e principalmente à hora de partir, alguns até tentam mantê-lo se fosse político seria o melhor possível e impossível, nunca se deixa subornar. Essa vagueza de pensamento se refere apenas ao tempo de vida do ódio em relação ao amor, única situação em que o ódio é melhor.

Marcadores:

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

KAFKA em HQ

                Li apenas um mini conto de Kafka em uma antologia chamada Leituras de Escritor organizado pelo Moacyr Scliar é uma antologia organizada por um escritor para mostrar seus escritores favoritos alguns acabaram se tornando meus também (como Jack London, Júlio Cortázar e Machado de Assis). Era um conto minúsculo não dava nem uma página e meia e contava a história de um homem sentado numa porta esperando sua vez eternamente para alguma coisa (não lembro muito bem o que) a única coisa que lembro é que era angustiante e desesperador a condição daquele personagem que nunca cansava de esperar a sua vez, que nunca chegou, para algo que mudaria para muito melhor sua vida. Ainda não li Kafka oficialmente (um livro só dele), mas posso dizer agora que tenho uma ideia maior do que suas palavras contam. A CONDIÇÃO HUMANA – não existe nada pior no mundo para um animal. A pior coisa do ser humano é sua racionalidade ao mesmo tempo em que é a melhor, o que o distingui e o põe (não sei se muito justo) no topo de uma cadeia imaginária entre todos os seres do mundo, o torna o ser mais vulnerável e desesperado de todos – é isso que sinto Kafka dizer e mais – Não podemos fazer nada quanto a isso, o jeito é se virar da melhor forma possível para que esse pensamento não venha à tona a cada passo que dermos. Vivermos do melhor jeito possível com esse “mal de humano” e usá-lo a nosso favor melhorando e preenchendo nossa vida na medida do possível com algo que torne as pessoas úteis, boas e felizes, para muitos isso é fácil para outros muitos não, Kafka era um deles. Praticamente todo mundo já ouviu falar de Kafka, se formou em direito trabalhou a maior parte da vida em uma empresa de seguros seu interesse era inteiro pela literatura, mas em vida essa nunca serviu para pagar suas contas (nem em morte, né?) publicou algumas coisas vivo, mas só foi realmente reconhecido depois de morto em 1924 provavelmente por ser mais um grande expoente do mal de todos os séculos em que pisou a humanidade, que até hoje vive e viverá muito mais – PRA QUE SIRVO? O QUE FAÇO E SOU REALMENTE VALE A PENA?
Franz Kafka
                Minha análise de Kafka é a partir de alguns de seus contos ilustrados e adaptados para quadrinhos por Peter Kuper quadrinista americano que também já adaptou "A Metamorfose" e voltou a Kafka com "Desista! e Outras Histórias de Franz Kafka" São nove histórias sete com texto original e duas adaptadas todas muito curtas, mas que falam o mesmo e até mais que muito romance longo por aí, nem são adaptações literais nem fogem absurdamente ao que o autor quis passar, um incrível trabalho, o teor ácido, pra baixo e solitário de Kafka trabalha em perfeita sintonia com o traço caricato, obscuro, impactante, rígido e ao mesmo tempo flexível de Kuper que engrandece ainda mais a obra e facilita a reflexão sobre sua importância. TODOS, TODOS os personagens se encontram cercados, abusados, desesperados, amordaçados presos ao mundo e ignorados por ele, um mundo que vai ficando menor com o passar dos tempos obrigando todos a conviverem juntos e impedindo outros, levantando mais e mais dúvidas e nunca as respondendo algumas totalmente inexplicáveis, tornando qualquer saída ou meio encontrado pelas pessoas para sobreviverem fúteis e inúteis. Tornando-as eternos espectadores com um único fim, A MORTE. Em todas as histórias a morte aparece como única solução para as pessoas, embora não seja muito citada, é totalmente onipresente está ali todos sabem, mas nunca se atrevem a invocá-la preferem esperar, uma espécie de masoquismo em que os personagens apesar de sofrerem persistem numa luta contínua em busca de algo que as ajude que aliviem seus pesadelos. A morte afirma a principal das angústias de Kafka em relação ao mundo por certo ângulo tudo é trivial e banal e em seus olhos esse ângulo se mantém fixo, é tão forte que em momento algum ele aponta solução, algo definitivo, nunca dá esperança as pessoas, não explicitamente, é mais forte que qualquer outra coisa essa visão pessimista, mas com um olhar a mais é possível perceber a ponta de vontade dele de fazê-lo, de conservar de poupar seus personagens (e a si mesmo) por meio da busca constante, do buraco sem fim da falta de sentido, mas a morte acaba sempre como o fim mais prático devido à escassez de rotas de fuga.
                O Niilismo (pra quem não sabe, é mais ou menos isso, a falta de sentido em tudo ele é bom quando usado para novas descobertas, novos pensamentos abandonando antigos e dogmáticos que não parecem muito bons para o bem geral e ruim quando uma pessoa simplesmente deixa de ver graça em tudo ou por mais que queira não consiga é o caso na obra de Kafka) é a principal preocupação de Kafka (Nietsche pararia pelo menos por uns minutos ao ler Kafka afinal Deus morrer não foi uma solução muito boa para o mundo como apontou ele, um mundo que viveu séculos e séculos debaixo de Deus, sem ele vai carregar um peso muito maior, SE consegui carregar). É esse Niilismo que o move e o deixa estático ao mesmo tempo, quando morreu pediu que todos os seus manuscritos fossem queimados, e eu digo ainda bem que não ouviram seu último pedido, até depois de morto a inquietação de Kafka permanece, claro que não queimaram seus textos eram muito bons, porque queimariam coisas tão boas só porque foi seu último pedido? Sua obra era muito importante deveria prevalecer apesar de tudo. A trivialidade e a banalidade permanecem infinitamente é um ciclo vicioso, muito importante para nós seres humanos sobrevivermos, é preciso nos apegar a alguma coisa, fazer algo que mesmo não parecendo, será útil sim, enquanto eu estiver em pé aqui passando pelo mundo isso que eu faço é importante, alguém perto ou distante necessita disso essa rede é o que mantém a humanidade em pé, mesmo depois da morte se ninguém se lembrar do que eu ou você fazíamos não importa, não conhecemos a morte ela vem uma única vez e pronto, é para todos embora de formas diferentes, se você sai dessa rede é um pouco perigoso, mas essa saída também faz parte da rede é como estar e não estar ao mesmo tempo, afinal toda arte, cultura e conhecimento do mundo (pelo menos as mais importantes) foram feitas dessa quebra, ruptura num sistema vigente que acabava por formar outros.  E assim vai ser até o fim de tudo, válidas as indagações de Kafka que na verdade são as de todos nós, representadas exponencialmente em seus textos, não tem respostas, melhor não precisam de respostas o mais importante é a indagação, a dúvida, que leva as pessoas a pensamentos até então desconhecidos a elas e desenvolverem outros conhecimentos e afirmações para conseguirem se portar e realizar-se no mundo enquanto vivas de forma satisfatória para elas mesmas.
Peter Kuper
                O traço de Peter Kuper é muito expressivo forte bem trabalhado e detalhado se nas histórias de Kafka apenas por leitura os personagens já parecem muito perturbados e aterrorizantes com os desenhos isso se intensifica de forma que podemos não só sentir a “alma” do personagem agora podemos vê-lo com toda sua magreza e miséria e nos dias de hoje como diz Jules Feiffer :
“A euro-alienação de Kafka se encontra e se mistura com a americaníssima alienação rock’n’roll de Kuper. Nossa Alienação é mais ruidosa mais estridente que a deles. Os americanos querem sair ganhando mesmo quando perdem, por isso gritam. Já os centro-europeus esperam sempre o fracasso, por isso ficam indiferentes.”
As inquietações humanas continuam basicamente as mesmas, a prova disso é “Desista! E outras histórias de Franz Kafka – Ilustrado por Peter Kuper”. Até mesmo o espírito europeu e seu pessimismo, principalmente hoje nessas épocas de crise continuam iguais sem falar do americano turbulento, ruidoso, revoltoso que nunca muda apesar dos diferentes alvos que mira. Todo esse embaraço, indagações e desespero de Kafka, da Europa, dos EUA e do ser humano em geral é comprovado por essa HQ.

Marcadores: