Li
apenas um mini conto de Kafka em uma antologia chamada Leituras de Escritor
organizado pelo Moacyr Scliar é uma antologia organizada por um escritor para
mostrar seus escritores favoritos alguns acabaram se tornando meus também (como
Jack London, Júlio Cortázar e Machado de Assis). Era um conto minúsculo não
dava nem uma página e meia e contava a história de um homem sentado numa porta
esperando sua vez eternamente para alguma coisa (não lembro muito bem o que) a
única coisa que lembro é que era angustiante e desesperador a condição daquele
personagem que nunca cansava de esperar a sua vez, que nunca chegou, para algo
que mudaria para muito melhor sua vida. Ainda não li Kafka oficialmente (um
livro só dele), mas posso dizer agora que tenho uma ideia maior do que suas
palavras contam. A CONDIÇÃO HUMANA – não existe nada pior no mundo para um
animal. A pior coisa do ser humano é sua racionalidade ao mesmo tempo em que é
a melhor, o que o distingui e o põe (não sei se muito justo) no topo de uma
cadeia imaginária entre todos os seres do mundo, o torna o ser mais vulnerável
e desesperado de todos – é isso que sinto Kafka dizer e mais – Não podemos
fazer nada quanto a isso, o jeito é se virar da melhor forma possível para que
esse pensamento não venha à tona a cada passo que dermos. Vivermos do melhor
jeito possível com esse “mal de humano” e usá-lo a nosso favor melhorando e
preenchendo nossa vida na medida do possível com algo que torne as pessoas
úteis, boas e felizes, para muitos isso é fácil para outros muitos não, Kafka
era um deles. Praticamente todo mundo já ouviu falar de Kafka, se formou em
direito trabalhou a maior parte da vida em uma empresa de seguros seu interesse
era inteiro pela literatura, mas em vida essa nunca serviu para pagar suas
contas (nem em morte, né?) publicou algumas coisas vivo, mas só foi realmente
reconhecido depois de morto em 1924 provavelmente por ser mais um grande expoente
do mal de todos os séculos em que pisou a humanidade, que até hoje vive e
viverá muito mais – PRA QUE SIRVO? O QUE FAÇO E SOU REALMENTE VALE A PENA?
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Franz Kafka |
Minha
análise de Kafka é a partir de alguns de seus contos ilustrados e adaptados
para quadrinhos por Peter Kuper quadrinista americano que também já adaptou
"A Metamorfose" e voltou a Kafka com "Desista! e Outras
Histórias de Franz Kafka" São nove histórias sete com texto original e
duas adaptadas todas muito curtas, mas que falam o mesmo e até mais que muito
romance longo por aí, nem são adaptações literais nem fogem absurdamente ao que
o autor quis passar, um incrível trabalho, o teor ácido, pra baixo e solitário
de Kafka trabalha em perfeita sintonia com o traço caricato, obscuro,
impactante, rígido e ao mesmo tempo flexível de Kuper que engrandece ainda mais
a obra e facilita a reflexão sobre sua importância. TODOS, TODOS os personagens
se encontram cercados, abusados, desesperados, amordaçados presos ao mundo e
ignorados por ele, um mundo que vai ficando menor com o passar dos tempos
obrigando todos a conviverem juntos e impedindo outros, levantando mais e mais
dúvidas e nunca as respondendo algumas totalmente inexplicáveis, tornando
qualquer saída ou meio encontrado pelas pessoas para sobreviverem fúteis e
inúteis. Tornando-as eternos espectadores com um único fim, A MORTE. Em todas
as histórias a morte aparece como única solução para as pessoas, embora não
seja muito citada, é totalmente onipresente está ali todos sabem, mas nunca se
atrevem a invocá-la preferem esperar, uma espécie de masoquismo em que os
personagens apesar de sofrerem persistem numa luta contínua em busca de algo
que as ajude que aliviem seus pesadelos. A morte afirma a principal das
angústias de Kafka em relação ao mundo por certo ângulo tudo é trivial e banal
e em seus olhos esse ângulo se mantém fixo, é tão forte que em momento algum
ele aponta solução, algo definitivo, nunca dá esperança as pessoas, não
explicitamente, é mais forte que qualquer outra coisa essa visão pessimista, mas
com um olhar a mais é possível perceber a ponta de vontade dele de fazê-lo, de
conservar de poupar seus personagens (e a si mesmo) por meio da busca
constante, do buraco sem fim da falta de sentido, mas a morte acaba sempre como
o fim mais prático devido à escassez de rotas de fuga.
O
Niilismo (pra quem não sabe, é mais ou menos isso, a falta de sentido em tudo
ele é bom quando usado para novas descobertas, novos pensamentos abandonando
antigos e dogmáticos que não parecem muito bons para o bem geral e ruim quando
uma pessoa simplesmente deixa de ver graça em tudo ou por mais que queira não
consiga é o caso na obra de Kafka) é a principal preocupação de Kafka (Nietsche
pararia pelo menos por uns minutos ao ler Kafka afinal Deus morrer não foi uma
solução muito boa para o mundo como apontou ele, um mundo que viveu séculos e
séculos debaixo de Deus, sem ele vai carregar um peso muito maior, SE consegui
carregar). É esse Niilismo que o move e o deixa estático ao mesmo tempo, quando
morreu pediu que todos os seus manuscritos fossem queimados, e eu digo ainda
bem que não ouviram seu último pedido, até depois de morto a inquietação de
Kafka permanece, claro que não queimaram seus textos eram muito bons, porque
queimariam coisas tão boas só porque foi seu último pedido? Sua obra era muito
importante deveria prevalecer apesar de tudo. A trivialidade e a banalidade
permanecem infinitamente é um ciclo vicioso, muito importante para nós seres
humanos sobrevivermos, é preciso nos apegar a alguma coisa, fazer algo que
mesmo não parecendo, será útil sim, enquanto eu estiver em pé aqui passando
pelo mundo isso que eu faço é importante, alguém perto ou distante necessita
disso essa rede é o que mantém a humanidade em pé, mesmo depois da morte se
ninguém se lembrar do que eu ou você fazíamos não importa, não conhecemos a
morte ela vem uma única vez e pronto, é para todos embora de formas diferentes,
se você sai dessa rede é um pouco perigoso, mas essa saída também faz parte da
rede é como estar e não estar ao mesmo tempo, afinal toda arte, cultura e
conhecimento do mundo (pelo menos as mais importantes) foram feitas dessa
quebra, ruptura num sistema vigente que acabava por formar outros.
E assim vai ser até o fim de tudo, válidas as
indagações de Kafka que na verdade são as de todos nós, representadas
exponencialmente em seus textos, não tem respostas, melhor não precisam de
respostas o mais importante é a indagação, a dúvida, que leva as pessoas a
pensamentos até então desconhecidos a elas e desenvolverem outros conhecimentos
e afirmações para conseguirem se portar e realizar-se no mundo enquanto vivas
de forma satisfatória para elas mesmas.
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Peter Kuper |
O traço
de Peter Kuper é muito expressivo forte bem trabalhado e detalhado se nas
histórias de Kafka apenas por leitura os personagens já parecem muito
perturbados e aterrorizantes com os desenhos isso se intensifica de forma que
podemos não só sentir a “alma” do personagem agora podemos vê-lo com toda sua
magreza e miséria e nos dias de hoje como diz Jules Feiffer :
“A euro-alienação de Kafka se
encontra e se mistura com a americaníssima alienação rock’n’roll de Kuper.
Nossa Alienação é mais ruidosa mais estridente que a deles. Os americanos
querem sair ganhando mesmo quando perdem, por isso gritam. Já os
centro-europeus esperam sempre o fracasso, por isso ficam indiferentes.”
As inquietações humanas continuam
basicamente as mesmas, a prova disso é “Desista! E outras histórias de Franz
Kafka – Ilustrado por Peter Kuper”. Até mesmo o espírito europeu e seu
pessimismo, principalmente hoje nessas épocas de crise continuam iguais sem
falar do americano turbulento, ruidoso, revoltoso que nunca muda apesar dos
diferentes alvos que mira. Todo esse embaraço, indagações e desespero de Kafka,
da Europa, dos EUA e do ser humano em geral é comprovado por essa HQ.
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