quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Júlia


A entrevistadora sai à porta e chama, grita.
                 — Próxima.
Júlia entra e se senta, a mulher fechando a porta pergunta:
 — Você se depila?
— Como?
— Depilada? Você? Tá limpa?
Demora um pouco para responder.
— Sim.
— Tira a roupa. Rápido, rápido
Ordena a mulher, não confiando muito na resposta.
— As clientes preferem ver a roupa em outra pessoa, é preciso estar limpa e lisa primeiramente, para agradar e não sujar a peça, é muito chato tirar pentelho de calcinha, decidimos contratar apenas candidatas higienizadas adequadamente.           
— Certo.
Julia abaixa a saia e a calcinha.
— A parte de cima também?
— Não. Desde que você tenha peitos.
— Ok, você não tá tão ruim, mas se for contratada nunca ponha um pé aqui com um pelo sequer, depilação no mínimo a cada duas semanas e sempre cheque em casa, use uma pinça.
A mulher se senta e manda Júlia se vestir, toma o resto de uma água que há em um copo sobre a mesa, e pede mais pelo telefone, um pouco arrogante
— Júlia Lima Soares, 22 anos, sétimo semestre de administração, boa líder, trabalha bem em grupo, dinâmica, amigável, experiência como vendedora em loja de conveniência, secretária em um consultório odontológico...
— Eu tenho uma carta de recomendação de Seu Oswaldo, o dentista.
Pega a bolsa jogada no chão e começa a procurar.
— Não querida, não precisa. Aliás, para essa vaga nem precisava de currículo.
— Não?
— Não flor, claro que não. Só é necessário o envio da foto, seu histórico pouco nos importa, você só vai experimentar calcinha e sutien e desfilar para cima e para baixo o dia inteiro. É importante não roubar, aí você terá problemas.
Júlia engole meio seco e meio molhado, mais seco que molhado.
— O que é preciso mesmo é ser bonita, magra e alta, é bom ter todas essas qualidades, mas, se não for possível é preferível que seja bonita pelo menos, o que não é o seu forte.
Só é um nariz um pouco redondo lembra Júlia.
— A altura e o peso estão bons, o nariz, seu nariz é um pouco grande, de resto tá tudo bem, mas, o nariz empata um pouco. Vou precisar de outra opinião. Mas por agora tenho que ver você andar, ande.
— Mas aqui? É um muito pequeno.
— Andar em um espaço pequeno é o de menos, aqui até que é grande, alguns trocadores são um quarto disso aqui, mas como eu disse andar é uma das últimas coisas com as quais você tem que se preocupar, algumas clientes pedem até para a modelo plantar bananeira, rápido, ainda tenho outras para atender.
Júlia começa a andar de um lado para o outro no escritório que julga ter três metros quadrados, vai e vem, dá a volta, meia volta, rodopios, para faz pose, na cadeira, em cima da mesa, nos quatro cantos, perto da porta.
— Já é suficiente, entraremos em contato.
Júlia pensa em dizer um mas, indagar se eles vão ligar mesmo, mas desisti quase ao mesmo tempo em que pensa nisso, não vai adiantar muita coisa.
— Está bem, vou esperar ansiosa.
— Eu sei que vai.
A mulher abre a porta, Júlia sai e ela chama:
— Próxima!
Uma garota já está perto da porta e a entrevistadora chama de novo:
— Próxima!
E fala baixo perto da outra garota. — Você não querida me desculpe.
Pelo menos ela ainda pede desculpas, Júlia fala em sua cabeça passando por várias outras candidatas. Ela sai pelo corredor que entrou, cheio de cadeiras desconfortáveis encostadas nas paredes, cada uma com uma garota desconfortada recostando-as. Chega ao saguão da recepção, vê pelas janelas e portas de vidro que chove, tira uma guarda chuva minúsculo de dentro da bolsa, abri ali dentro mesmo e vai embora.

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