quarta-feira, 24 de outubro de 2012

As Montanhas Soltam Pedras

                Depois de sete dias de fundo de posso deprimido, resolvi sair de casa, desde a última sexta que não botava a cara para fora. Todo esse tempo depois me sinto um pouco mais aliviado e uns três quilos mais gordo, tinha a impressão de que ia infartar, explodir ou algo do tipo, me sentia doente. Primeiro tomei um banho, arranquei a roupa na sala mesmo, decidi queimar aquelas porcarias na primeira chance que eu tiver, empestadas de suor, não havia cristão vivente que aguentasse aquele cheiro, joguei-as num canto e fui para o banheiro. Banho frio. Eram mais ou menos seis da tarde, completava exatamente sete dias desde que ela me deu o pé na bunda, esfregava rigorosamente debaixo dos braços, o cheiro era horrível, terminei e fui me vestir, tive que me secar com umas camisas, joguei minha toalha fora também, junto com um monte mais de tralha velha, menos um livro antigo do Franzen uma das primeiras edições dele em inglês, que eu tentava ler parcamente, página após página com um dicionário na mão, foi ela quem me deu, até que eu não estava tão mal no inglês, “como estar sozinho”? Começava a descobrir a partir daquele momento. Pus um moletom velho, a calça cinza, meias cinza, uma camisa mais velha ainda, verde, e um blusão azul escuro, calcei os tênis de corrida. Parecia vivo novamente, sai pelo portão do quintal que dava para uma rua velha poeirenta, que não havia muitos anos eu brincava todo dia, pensei em sentir alguma coisa, lembrar, recuperar algo que talvez tenha perdido ou esquecido lá. Saí. Era uma rua muito larga, um grande terreno, dum lado várias casas alternando entre muito pobres, mais ou menos e ricas, e do outro a delegacia minúscula que sempre teve a vida mais chata de todas na cidade, sempre parada. Caminhei em meio ao poeirão até o final da rua, já dava oito da noite, o tempo começava a passar rápido, realmente parecia que eu estava recobrando o estado de vivo novamente, a velocidade do tempo e o vento foram os primeiros sinais, como fazia frio, cheguei à outra rua que já era calçada e me dei conta de que não tinha um plano, de para onde eu iria, eu ia acabar a noite bebendo de uma forma ou de outra querendo ou não, mas essa não era a parte principal do programa, a cerveja seria um grand finale, um marco de que eu estava de volta ou pelo menos tentando, nem era intenção voltar para casa bêbado nem nada, era apenas o ponto final do primeiro ato, e os dias não nasceriam mais mortos seguidamente.
                Dois anos, dois anos foi o que durou nosso relacionamento agora sabia que a coisa de para sempre podia não ser mentira, mas era difícil pra caralho, merda, dois anos e nós vamos nos dizer que não nos amamos mais, será que alguma vez nos amamos realmente? Acho que sim, no início a gente gostava um do outro, provavelmente, se não nunca teríamos ficado tanto tempo. Realmente a bosta do amor tem prazo de validade, melhor, um prazo de garantia, durante certo tempo tudo funciona muito bem, mas depois fica mais difícil, as coisas ao invés de andar começam a rastejar e tudo fica ruim, é preciso aprender a rastejar, todas essas pessoas tanto tempo juntas, elas tiveram que aprender a rastejar, parece a coisa certa a fazer, elas rastejam na maior felicidade, se adaptam, Darwin, evolução, imagina se Darwin não tivesse existido, Darwin salvou e salvará relacionamentos até o fim dos tempos, imagina o caos se não soubéssemos disso tudo? Colocaríamos a culpa um no outro mais do que já colocamos. Sobrevivência do mais forte, a vontade sobrevive ao amor, é realmente a vontade que nos deixa juntos, o amor e a vontade, dois seres de finalidade igual, falando de relações entre pessoas. Única finalidade: juntar seres humanos. Os dois atuando, buscando a mesma coisa, mas, não sei se são seres distintos ou a mesma coisa. Adaptação.
                Finalmente chego ao fim da primeira parte do trajeto hora de continuar com o não-plano, hora de escolher um caminho, desço pela ladeira velha ou vou pelo beco? A bifurcação. Melhor que uma pedra no meio do caminho, a pedra mesmo pulando, quebrando ou fugindo, sempre vai estar presente e não há volta, de um jeito ou de outro a pedra ela ser quebrada, já com dois caminhos não, dá para pegar um e se assim desejar voltar e pegar o outro, uma pedra ou dois caminhos, uma pedra ou dois caminhos, uma pedra ou dois caminhos.

                UMA PEDRA.
               
                Disparei correndo para casa dela, um fim definitivo estava retribuindo meu esforço e correndo também, em minha direção. Desci e subi ruas, várias, até chegar à avenida principal da cidade, atravessei ainda correndo, logo um daqueles caminhões que passavam em fluxo frenético iria cruzar meu coração e eu estaria alforriado. Cheguei a casa dela, toquei a campainha e esperei, meu suor fedido não me incomodava tanto. Quase de volta. Ela abriu o pesado portão de madeira, enrolada em um cobertor velho, com os olhos vermelhos e inchados. Uma pedra. Uma pedra. Uma pedra. Definitivamente não havia mais jeito, volta. Ela me disse com seu olhar quase ininteligível de tanto choro. Definitivamente não voltaríamos, só precisava confirmar isso, me despedi e comecei a refazer meu caminho ela fechou o portão e entrou. Cheguei a um bar numa esquina perto da casa dela e sentei ao balcão, pedi uma cerveja, contrariando meus quase planos, a cerveja não foi o ponto final da noite, ele aconteceu mais cedo do que eu imaginei, tomei uns goles e fiquei vendo TV num aparelho antigo suportado pela parede, meia hora depois ela apareceu, mais bonita, quase de volta também, tomamos muitas umas e com o bar fechando fomos embora, bêbados, eu para minha casa ela para a dela. Ainda não voltamos a nos falar.

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